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VIDA DE COVEIRO

"QUE HOMEM PODE VIVER E NÃO VER A MORTE, OU LIVRAR-SE DO PODER DA SEPULTURA?"

SALMOS 89:48

O estado do caixão era de podridão, envergado e com a madeira esfarelando. Cheiro forte e ar gelado. Estava engavetado na sepultura já fazia 16 anos; tempo suficiente para o corpo se decompor. Primeiro, foi necessário tirar as paredes do caixão, pedaço por pedaço, para abrir espaço para iniciar a exumação, que começou pela retirada dos pés, recolhendo os pequenos ossos que antes compunham os dedos até o calcanhar. Os ossos tinham uma tonalidade amarronzada, distante do branco. Logo começaram a aparecer os ossos maiores, como a tíbia e o fêmur. Mas um detalhe chamou a atenção: um osso metálico, que provavelmente serviu como pino para alguma região perto da bacia. Foi necessário usar as duas mãos para tirar os ossos do tronco, braços e costelas, que se encontravam juntos dentro de uma camisa. Mais ossos foram sendo tirados, até que, por último, o crânio, com um comprido tufo de cabelo loiro do lado esquerdo. Trabalho feito, todos os ossos reunidos em um único grande saco, pronto para ser encaminhado ao ossário (depósito de restos mortais localizado no cemitério).

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Para um coveiro, até aqui, nenhuma novidade.

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Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho, os coveiros (também denominados sepultadores) realizam as seguintes atividades:

Auxiliam nos serviços funerários, construindo, preparando, limpando, abrindo e fechando sepulturas;

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Realizam sepultamentos, exumam e cremam cadáveres, trasladam corpos e despojos;

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Conservam cemitérios, máquinas e ferramentas de trabalho;

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Zelam pela segurança do cemitério.

Há muito tempo...

Até meados do século XIX, os enterros eram realizados em igrejas, pois, segundo a tradição católica, a alma do falecido estaria mais protegida quando “próxima” dos santos. O ato de enterrar era coletivo, compartilhado entre a comunidade e a família, não havendo uma pessoa especializada para tal função. Uma curiosidade é que, se a família do morto ajudava financeiramente a igreja, o corpo era enterrado perto do altar; já no caso das famílias que não contribuíam significativamente, o corpo era enterrado mais longe – muitas vezes, na própria parede.

 

Devido, no entanto, às más condições biológicas e à consequente preocupação médica com riscos de contaminação pública, os mortos passaram a ser enterrados longe das igrejas. Surgiu, então, a secularização do cemitério. Eles eram administrados pelos municípios e, junto com esse novo modo de enterrar, surgiu o profissional conhecido como coveiro – ou sepultador. O cemitério foi o primeiro passo para o distanciamento da família com o morto, já que a pessoa responsável pelo enterro do corpo, sem vínculo familiar, não tinha um sentimento pessoal pelo indivíduo sepultado.

Número de sepultadores ativos no Brasil, no estado do Paraná e em Curitiba, por sexo

Fonte: RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) - Ministério do Trabalho, 2015.

O trabalho dos sepultadores ainda é predominantemente masculino: os dados indicam que o número de homens na profissão é expressivamente maior que o de mulheres.

Trabalho por gosto

Sebastião Francisco da Silva, de 72 anos, é sepultador no Cemitério Municipal São Francisco de Paula, em Curitiba, há 50 anos. Nascido em Ibaiti e criado ao pé do Pico Agudo, no norte do Paraná, Sebastião trabalhou em lavouras de café no interior do Estado até o início da década de 1960. Rápido em seu trabalho, ele conta que, na época, chegava a colher 40 sacas de café por dia.

 

Em 1965, depois de se mudar para Curitiba, Sebastião foi chamado para ajudar na construção de túmulos de pedra no Cemitério Municipal. Acabou tomando gosto pela coisa; meio século depois, o mesmo cemitério continua sendo seu local de trabalho. O coveiro conta que, no início, lidar com mortos era estranho, mas com o tempo a morte mostrou não ser tão assustadora. Em tantos anos de trabalho, Sebastião afirma já ter feito mais de 40 mil sepultamentos. A experiência com a morte de outras pessoas o ajudou, inclusive, a lidar com o falecimento do neto de 24 anos – vítima de uma briga de gangues –, cujo corpo Sebastião sepultou em 2009.

 

Para o coveiro, não houve muitas mudanças em sua profissão desde a década de 1960, quando começou seu trabalho na área. Antes, porém, o trabalho de exumação era feito sem proteção, à mão nua. Hoje, é obrigatório o uso de equipamentos de proteção. “Dentre as responsabilidades do empregador, uma das mais importantes é o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), já que a exposição aos riscos biológicos é fato desde o preparo de sepulturas até a exumação de cadáveres”, afirma a especialista em Engenheira de Segurança do Trabalho Luciene Schiavoni Wiczick. “O empregador deve fornecer ao trabalhador máscaras com ou sem filtro, luvas de acordo com a tarefa, calçado de segurança, óculos de proteção e, eventualmente, mais algum EPI que se faça necessário, como protetor solar e avental. Salienta-se que o empregado também tem suas obrigações, como usar e preservar seus EPI e manter atitudes dentro dos padrões de segurança”, observa Luciene.

O trabalho dos sepultadores pela prefeitura da capital paranaense é, atualmente, terceirizado – os profissionais são credenciados para o exercício da função. No Cemitério Municipal São Francisco de Paula, Sebastião trabalha com outros sete coveiros, sendo cada um responsável por uma semana de sepultamentos. Nas semanas em que não realiza essa função, Sebastião trabalha como pedreiro do cemitério, fazendo consertos e construções.

 

A remuneração dos sepultadores credenciados é calculada individualmente de acordo com as atividades e a frequência com que são realizadas. A descrição das tarefas e as respectivas remunerações estão especificadas na tabela abaixo:

Fonte: MASE/Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Prefeitura Municipal de Curitiba, 2016.

Condições de trabalho

Com uma média de salário nacional de R$ 1.137,00 – segundo valor calculado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) no período entre janeiro e junho de 2016 –, os sepultadores são expostos a alguns riscos decorrentes do trabalho realizado nos cemitérios. O contato constante com material biológico, o esforço físico e a exposição ao calor são alguns fatores característicos do trabalho dos profissionais da área.

Os principais riscos do trabalho nos cemitérios

Fonte: Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho (NR-4, NR-5, NR-9, NR-16, NR-32).

Segurança e prevenção

A exposição aos riscos implica o uso obrigatório dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) durante e realização das atividades, a fim de minimizar os riscos e seus efeitos à saúde e segurança do trabalhador. "O uso de Equipamentos de Proteção Individual é indispensável, bem como a adoção de medidas de ordem geral que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância para o trabalhador ter sua saúde e integridade física preservadas", comenta Luciene.

 

Nos casos em que o profissional permanecer exposto aos riscos, mesmo após a implementação das medidas preventivas, o trabalhador tem direito ao adicional de insalubridade – que, conforme a Norma Regulamentadora nº 15 do Ministério do Trabalho, corresponde a 20% sobre o salário mínimo nos trabalhos em cemitérios. “O adicional é fator obrigatório quando comprovada a exposição ao risco, mas há que se considerar que o adicional depende de alguns fatores para ser concebido, como a presença do agente de risco, do tempo de exposição e, às vezes, de laudo técnico”, observa a especialista. “Portanto, não são todos que têm direito a esse adicional. Faz-se necessária a avaliação [do ambiente de trabalho por profissional especializado] para fins de cumprimento da lei”, conclui Luciene.

Requisitos

Para a expedição de licença para sepultadores e pedreiros credenciados trabalharem nos cemitérios municipais, a prefeitura de Curitiba exige, como requisitos:

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Apresentação de carteira de identidade;

Atestado de boa conduta;

Carteira de saúde atualizada;

Duas declarações atestando a competência do profissional para o exercício da atividade.

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Mais informações na página oficial da Prefeitura de Curitiba: www.curitiba.pr.gov.br.

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